Inteligência Artificial no universo na moda: reflexões e desafios

É preciso enxergar a IA como uma ferramenta e aliada, entender os limites de seu uso, e se preparar para superar os desafios que a inovação trará para indústria da moda nos próximos anos

Os avanços das tecnologias de Inteligência Artificial estão revolucionando o mundo. Seu uso em diversos setores da economia mundial tem impactado de maneira irreversível não apenas o mercado de trabalho, mas também os hábitos e comportamentos da humanidade. Na indústria da moda, que depende da criatividade para existir e prosperar, não seria diferente. Há uma série de questionamentos sobre o impacto da inovação no setor, cujos os players estão, a cada dia que passa, adaptando-se mais às mudanças tecnológicas.

Uma suposta e temida concorrência para a criatividade humana e as muitas transformações que a IA pode trazer ao mercado do design em geral são pontos que geram preocupação em alguns profissionais. Apesar dos questionamentos serem legítimos, é importante ressaltar que a tecnologia nada mais é do que uma ferramenta que pode ajudar, e muito, no desenvolvimento de ideias, não apenas fornecendo insights sobre tendências, mas também otimizando processos criativos, já que permitem que os estilistas deixem algumas tarefas automatizadas para a máquina e se concentrem em aspectos mais conceituais e emocionais da moda.

Há sim uma transformação no mercado de trabalho acontecendo em função da IA, com novas profissões sendo criadas e algumas outras sendo eliminas. Mas a verdade é que, pelo menos por enquanto, não há possibilidades de que a tecnologia substitua a criatividade humana. Afinal, hoje, todas as plataformas de IA disponíveis no mundo dependem de seres humanos para existirem e funcionarem. Nenhuma delas é capaz de executar tarefas que exigem habilidades e capacidades que as máquinas não possuem, como a sensibilidade e a criatividade. 

No mercado de moda, especificamente, o uso das tecnologias de IA vêm em diversos formatos e com diferentes objetivos. Algumas marcas já criaram coleções utilizando Inteligência Artificial. É o caso da Collina Strada, de Nova Iorque. A estilista Hillary Taymor usou uma plataforma de IA para desenvolver uma coleção em colaboração com o software, alimentando o programa com peças já criadas pela marca anteriormente. A união das peças antigas da marca com novos elementos e informações trazidos pela IA ajudou a estilista e sua equipe a criarem uma coleção completamente nova, que manteve as raízes da marca.

Uma campanha da Levi’s que testou modelos gerados por IA com o propósito de ampliar a diversidade gerou polêmica e provocou discussões sobre o papel dos modelos humanos e os possíveis efeitos na profissão no ano passado. Sabemos que as tecnologias de IA têm, de fato, a capacidade de gerar imagens realistas e cativantes que podem ser facilmente customizadas e controladas, mas seu uso foi bastante questionado na ocasião. Em resposta aos questionamentos, a marca alegou que a tecnologia pode potencialmente ajudar a destravar um futuro em que se possa permitir aos clientes verem os produtos em modelos que se parecem com eles, criando uma experiência de compra mais pessoal e inclusiva.

A designer de moda e professora da Panamericana Ellen Grossi também vê pontos positivos no uso de IA para criação de materiais publicitários. “As possibilidades infinitas de produção de imagens, editoriais, desfiles e material publicitário, em qualidade hiper realista, podendo atingir nichos contendo diferentes demandas com uma certa facilidade é bastante interessante, além de também tornar a criação de produtos extremamente personalizada, através de uma aprofundada descrição das mais diversas características. O mercado de moda tem experimentado o uso dessas tecnologias de diversas formas e essa experimentação ainda tem muitas perspectivas a serem exploradas. Até o momento, a evolução dos programas de Inteligência Artificial tem entregado um apoio importante no desenvolvimento criativo e na otimização de processos”, afirma ela, que também tem especialização em marketing de moda.

Outro ponto em que o uso da IA pode impactar positivamente na indústria da moda, é o que diz respeito à sustentabilidade. Se um dos maiores problemas do mercado hoje é o seu impacto negativo para o meio ambiente, podemos dizer que será incrível poder criar, testar e experimentar roupas no mundo virtual, sem precisar produzir uma única peça, economizando recursos naturais, reduzindo o impacto ambiental da produção de tecidos e diminuindo a quantidade de materiais que são produzidos e descartados. Isso sem contar que: imagine usar suas medidas e proporções para provar de maneira realista uma roupa, sem precisar se deslocar? 

O uso de algoritmos para analisar grandes volumes de dados, como tendências do passado, preferências do consumidor e informações de mídia social pode ser outro ponto positivo, já que, nesse sentido, a IA pode ajudar a prever e gerar novos estilos e padrões. O resultado provável são novas abordagens estéticas com potencial de revolucionar as convenções já estabelecidas. Resta aos estilistas o desafio de usarem tais informações sem abrir mão de sua singularidade e originalidade.

Encontrar um equilíbrio entre a inovação trazida pela IA e a preservação da autenticidade na moda deve ser um objetivo para os profissionais do futuro. Outra reflexão importante sobre os impactos do uso da inteligência artificial no futuro da moda é sobre a autoria. De quem é o direito autoral de uma imagem artificial? Da pessoa que a descreveu ou do próprio robô que a criou? Sabemos que nenhuma IA cria absolutamente nada sem a ajuda de um ser humano, mas o resultado final é uma colaboração entre a máquina e o humano, não? Será que no futuro dividiremos o crédito das nossas criações com as máquinas? 

O uso de Inteligências Artificiais não apenas na moda, mas em todos os setores da economia criativa é um campo em constante evolução, no qual a reflexão e o diálogo sobre limites são essenciais para chegar a soluções que promovam avanços e não um colapso da indústria. A união entre a inovação e a tradição precisa ser feita de maneira responsável. Estamos definitivamente em um momento de virada e podemos optar por enxergar a criatividade humana e a IA como complementares.

“O surgimento da Inteligência Artificial trouxe inquietações ao mercado de moda, incluindo a preocupação com direitos autorais, substituição do ser humano no processo criativo, e massificação de imagens por conta da produção de conteúdos muito semelhantes. Encarar os aplicativos de Inteligência Artificial como coadjuvantes no processo de criação de moda é uma forma de utilizar essas ferramentas como um recurso evolutivo, como um auxílio que veio para facilitar e aprimorar alguns procedimentos. Porém, o componente humano – ainda – é indispensável. A visão criativa vem desses anseios, da necessidade de inovação e renovação. Existem singularidades e sutilezas que só o ser humano é capaz de pensar, comandar e reproduzir. Como disse Henri Matisse: ‘A criatividade requer coragem’, característica essa essencial e inerente ao ser humano”, finaliza Ellen.

 

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