Ex-aluno e professor da Panamericana, Hugo Damião expõe seu jogo na Tokyo Game Show

Hugo estudou Animação e Games na Panamericana, investiu em seu projeto, se tornou professor da escola onde estudou e, no mês passado, participou como expositor da terceira maior feira de games do mundo

Hugo Damião sabia o que queria fazer da vida desde muito cedo. Quando criança, a partir dos 7 anos, o hoje professor de Game Design, Tech Art e Game Dev para indústria de games, gostava muito de desenhar e tinha pastas nas quais organizava suas criações de personagens, mundos e histórias separadas por temas. O que ele não sabia é que o que amava fazer poderia se tornar de fato o seu ofício. Em um tempo em que as hoje bastante valorizadas inúmeras possibilidades de trabalhos da Economia Criativa não eram tão difundidas, o desenvolvedor de games optou por cursar publicidade na Faculdade. 

“Na minha época era muito comum as pessoas quererem trabalhar com algo relacionado à criação e à arte não encontrarem muitas opções de cursos ou oportunidades de trabalho. Era um mercado mais fechado e eu não entendia como a minha paixão poderia virar profissão. Eu não tinha o parâmetro, não conhecia ninguém que trabalhasse na área e todas as pessoas que eu conhecia que pensavam em trabalhar com criação cursavam publicidade”, relembra. 

Enquanto cursava publicidade, Hugo fazia trabalhos burocráticos e administrativos em escritórios e, depois de se decepcionar com a faculdade que escolheu, terminou fazendo uma pós em Gestão Empresarial e começou a trabalhar com planejamento: “Terminei o curso de publicidade bastante frustrado, porque entendi que não era aquilo que eu queria. O conteúdo da faculdade era muito mais voltado para o marketing do que para o lado da criação. Então, eu decidi que não valia a pena sair de um emprego burocrático que, apesar de eu não gostar, me oferecia estabilidade e migrar para outra área que também não me faria feliz. Por esse motivo, ao terminar a faculdade segui por mais um tempo trabalhando na área onde já estava”. 

Com o tempo, o trabalho que não o satisfazia passou a incomodá-lo cada vez mais. “Eu sentia muita vontade de criar e até tentava direcionar essa vontade dentro do meu trabalho para coisas como apresentações, mas aquilo estava me consumindo. Eu queria muito, de algum jeito, encontrar uma maneira de fazer alguma coisa que eu realmente gostasse. Eu estava muito a fim de mudar de carreira quando vi uma matéria em uma revista sobre um casal de desenvolvedores que estava fazendo o segundo jogo indie deles. Eu nem sabia o que era jogo indie, mas achei aquilo muito interessante. Na hora eu pensei: ‘se duas pessoas conseguem fazer um jogo, pode ser que uma sozinha consiga pelo menos iniciar’”, relembra Hugo.

Tomar conhecimento de que a criação de jogos poderia ser uma profissão foi o primeiro passo para a transição de carreira de Hugo: “Quando eu era criança, eu jogava alguns jogos e ficava sempre viajando sobre o quão incrível seria criar um universo daqueles. Porém, eu não fazia ideia de como começar naquela área. Sempre me pareceu muito mais fácil criar personagens para histórias em quadrinhos, porque era essa a referência que eu tinha. Eu sabia que existiam pessoas que ganhavam a vida como cartunistas ou quadrinhistas, trabalhando até para empresas internacionais. Sabia também de algumas poucas pessoas que trabalhavam com animação, que eram nomes muito específicos de designers que trabalhavam para empresas de fora do Brasil. Mas na área de games, mesmo, eu não conhecia ninguém. Então, aquela matéria sobre aquele casal, mudou minha perspectiva”.

Foi então que Hugo começou sua busca por informações, cursos e ferramentas de criação de jogos e descobriu as games engines, ferramentas de desenvolvimentos de jogos eletrônicos. Depois de baixar uma dessas plataformas, o Tech Art começou a aprender a operá-la sozinha e progrediu muito rapidamente: “No começo, quando você está aprendendo a usar as games engines, qualquer coisinha que você cria ali parece muito. Eu tive muita facilidade nos primeiros contatos com a ferramenta. Porém, depois de cinco anos de uma jornada autodidata, fuçando sozinho na ferramenta, eu comecei a ter dificuldade de evoluir. Cheguei em um ponto em que eu percebi que precisava encontrar algum curso, algum direcionamento mais preciso”.

Em suas buscas por mais conhecimento, Hugo se deparou com o curso de Animação e Games da Panamericana: “A direção de arte era um ponto em que eu me sentia defasado. Eu fazia jogos sem nenhuma direção de arte, sem composição. Foi exatamente nesse quesito do qual eu era carente que o curso da Panamericana me chamou atenção. A grade do não tinha tanto conteúdo de programação, que é algo muito mais fácil de se aprender sozinho, mas tinha muito dos conceitos de direção de arte e criatividade que fazem toda a diferença”.

Enquanto fazia o curso de Animação e Games da Panamericana, Hugo seguia trabalhando em seus empregos burocráticos, mas se preparando para mudar de área ao concluir os estudos e seu plano funcionou. “Eu queria que todo o conhecimento que eu havia adquirido antes do curso somado aos novos aprendizados que eu estava tendo ali me trouxessem uma bagagem suficiente para já conseguir entrar em um estúdio e trabalhar. E consegui! Ainda durante o curso, por uma indicação dentro da própria escola, peguei um trabalho em uma animação chamada “Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente” do estúdio Koala Filmes. Trabalhei no Koala durante os últimos 6 meses de curso, ao mesmo tempo em que fazia o meu TCC da escola, que é o jogo no qual estou trabalhando até hoje”, conta.

Apesar de ter terminado o curso já trabalhando com animação, o foco de Hugo continuava sendo os games. Então, enquanto trabalhava com animações e ganhava essa expertise, o hoje professor da Panamericana foi em busca do que faltava para migrar de fato para a área que queria. “Eu resolvi investir no meu próprio projeto, o jogo Sleeping Dragon, para não ter um portfólio todo solto e sim algo coeso. Eu já havia saído da escola decidido a, mesmo que demorasse, ter o meu produto. Então, peguei todos os meus aprendizados e conhecimentos e juntei tudo nesse jogo, para que ele tivesse uma unidade, para que ele tivesse um valor maior. Terminei o curso da Panamericana em 2016 e, entre 2017 e 2018, eu foquei só no meu jogo. Trabalhei muito nele, lapidei cada detalhe para deixá-lo com uma cara bem legal. Fiz cada esforço pensando em criar algo feito para dar certo”. 

Depois de aprimorar seu jogo, que começou como um projeto de conclusão de curso na Panamericana, Hugo começou a apresentá-lo em eventos do setor, para conseguir conhecer pessoas e criar uma network: “Passei uns dois anos só investindo nisso, em apresentar meu projeto em eventos pequenos e conhecer pessoas da área, ao mesmo tempo em que mantinha um emprego fora da área para me estabilizar. Nessa época, foquei no que aprendi na Panamericana. Os professores sempre me diziam: ‘Tenha sempre alguma coisa entregável e jogável’. Então desde o meu projeto final, eu já tinha isso em mente: eu precisava ter pelo menos uma fase jogável. Eu nunca fiquei esperando ter 40/50 fases para poder mostrar meu jogo para alguém. Sempre que eu tinha algo pronto, já tentava levar para algum evento e mostrar para pessoas importantes”. 

A cada evento que passava, o Tech Art e desenvolvedor de games aprimorava mais seu projeto e criava uma versão melhor de seu jogo: “Até que, em 2019, eu resolvi que era hora de fazer acontecer. Eu mandei o meu jogo para o Big Festival, um dos maiores eventos de games do Brasil, mandei para outro evento importante de jogos indie, o SBGames, e entrei com um pedido de investimento pelo incentivo no ProAC. Tudo de uma vez só e as três coisas aconteceram. Eu ganhei o incentivo e fui para os dois grandes eventos. No Big, que é um evento muito grande, eu conheci muita gente do mercado e as pessoas começaram a olhar pro meu jogo de uma maneira diferente. Os profissionais da área entenderem que eu resolvi muitas coisas sozinho dentro do meu projeto. Ali eu fiz meu nome. Nem dois meses depois eu já tinha convites para trabalhar em empresas grandes”.

Depois de participar de dois grandes eventos e ganhar o incentivo do ProAC, Hugo finalmente se sentiu reconhecido e ganhou confiança para seguir em busca de seu sonho: “Naquele momento, eu me senti validado e fui conversar com o Rodrigo, que havia sido meu professor e é coordenador da Panamericana. Eu queria apresentar meu projeto para os alunos da escola se inspirarem, mas ele estava procurando um professor para substituí-lo em uma das matérias que ele lecionava. As coisas se encaixaram. Eu já estava há muito tempo aprendendo e praticando e tinha a vontade de desenvolver o lado de ensinar. Eu queria compartilhar o que eu tinha aprendido com a minha trajetória até ali, de alguma maneira. Ensinar é uma troca, você aprende ensinando. Quando você explica o que você faz em voz alta para as pessoas, você aprende melhor o jeito que você faz aquilo. Além disso, muitas vezes as pessoas que estão aprendendo também te dão dicas e insights para você melhorar o que você já sabe. Compartilhar é importante, não só ensinar. Quanto mais você compartilha, mais rápido seu trabalho melhora”.

Hoje, além de dar aulas na Panamericana, o ex-aluno da escola também tem seu próprio estúdio e trabalha com game engines: “Basicamente todo o meu rendimento vem dessa área, seja dando aulas, compartilhando, no meu estúdio com o meu projeto, ou trabalhando para outras pessoas, eu consegui fazer a transição de carreira por completo. Me sinto muito realizado em todas as áreas. Tenho muito a melhorar ainda, mas todas as minhas frentes de trabalho estão me dando retorno. Ainda tem chão para eu poder dizer que eu cheguei onde eu queria, mas eu tenho certeza que cheguei no caminho que eu queria. Estou na estrada certa e sei que, apesar de ainda estar longe o meu objetivo, eu vou chegar. Sinto que estou indo pra frente”.

De fato, Hugo está no caminho certo. No final de setembro, o Game Dev participou do Tokyo Game Show, o terceiro maior evento de games do mundo. O jogo Sleeping Dragon foi um dos projetos brasileiros selecionados para serem expostos na feira. “Foi uma oportunidade única de expor meu trabalho em um mercado que vai além do brasileiro. Acredito que isso mostra muito o potencial do meu projeto. O Japão é uma referência e é a referência que eu mais queria atingir. A experiência foi incrível, muito melhor do que eu estava esperando. E olha que a minha expectativa era alta. Adorei ter conhecido o Tokyo Game Show como expositor”. 

“Fiquei 4 dias em um stand apresentando o Sleeping Dragon. Muita gente veio conhecer meu projeto e conversar comigo. As pessoas jogaram e adoraram o jogo. Fizeram questão de jogar a demo até o final. Para mim foi muito gratificante. Quando você está desenvolvendo um jogo você não tem essa noção se ele está divertido o suficiente, se você acertou ou errou. Então, o melhor jeito de testar é em um lugar em que você não tem nenhum controle, como são esses eventos. Quando você leva seu produto pra um evento desses, você realmente está falando com possíveis consumidores. Também conversei com representantes de empresas grandes sobre a possibilidade de levar meu jogo para grandes plataformas e conversei com pessoas que representavam outros eventos. Muitas portas se abriram para o futuro e muitas coisas aconteceram”, conta Hugo.

Para os alunos de Animação e Games e para todos os interessados na área que pretendem seguir seus passos, Hugo aconselha estudar: “Tente conhecer o mercado para onde você quer migrar. Absorva o máximo possível de informações e tente entender o todo, para saber onde exatamente você vai se encontrar. Explore e estude o máximo possível. Procure uma escola. Uma orientação de professores é muito melhor do que ser autodidata, e eu falo por experiência própria. A escola te dá o suporte de ter o feedback, coisa que não acontece quando você estuda sozinho. A Panamericana foi fundamental na minha trajetória, porque ali eu aprendi com profissionais que estavam no mercado e entendiam o mercado e suas demandas”.  

Hugo lembra que o curso da Panamericana lhe deu ferramentas importantes para o desenvolvimento de sua criatividade: “Às vezes eu queria criar um personagem, mas não sabia por onde começar, não sabia como transformar a minha ideia em realidade. Os professores me ajudaram a desenvolver minhas ideias, me fizeram entender que eu tinha muitas opções de caminhos. Foi estudando que eu aprendi a juntar todas as minhas ideias em um projeto final. Faz muita diferença você ter um portfólio que é mais do que um conjunto de peças soltas, que é uma coisa coesa. Hoje, como professor, eu tento passar isso para os alunos, falar sobre a importância de se ter um projeto pessoal e não apenas as peças que você gosta”. 

Aprender, inclusive, não é apenas para quem está começando. O professor revela que nessa área, em que as ferramentas e tecnologias estão sempre evoluindo, é fundamental se manter sempre atualizado. “Eu sou muito pé no chão. Eu sei que eu estou sempre aprendendo e não posso sair fazendo loucuras. Por isso eu sempre invisto em aprender o máximo de coisas possíveis, para depender o máximo de mim mesmo e dos meus conhecimentos e o mínimo de uma estrutura. Começar é muito difícil, é verdade. É preciso se estabilizar e ter uma garantia financeira para seguir seu caminho devagar e muitas vezes ganhando pouco. Mas quando você tem as primeiras experiências e aprendizados, fica mais fácil ir atrás do que você quer”, finaliza Hugo.

 

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