Era Uma Vez o Moderno conta a história do modernismo muito além da Semana de 22

Considerada a maior mostra sobre o modernismo brasileiro já realizada, a exposição reúne mais de 300 obras e documentos inéditos sobre a intimidade dos artistas e pensadores da época.

Em cartaz no Centro Cultural Fiesp até 29 de maio de 2022, a exposição Era Uma vez o Moderno [1910-1944] é uma parceria do Centro Cultural Fiesp (CCF) e o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP), instituição que guarda o maior acervo sobre o modernismo no país. Com mais de 300 obras e documentos inéditos sobre a intimidade dos artistas e pensadores modernistas – entre os quais diários, cartas, manuscritos, fotos e quadros dos artistas e intelectuais que fizeram parte de diversas iniciativas em torno da implantação de uma arte moderna no Brasil entre 1910 e 1944 – a mostra é considerada a maior sobre o modernismo brasileiro já realizada.

A curadoria da mostra, feita pelo professor e pesquisador do IEB/USP, Luiz Armando Bagolin, e pelo historiador Fabrício Reiner, tem como proposta apresentar uma sequência de fatos históricos e culturais por meio das próprias vozes, influências e até mesmo dos dilemas e conflitos dos artistas que participaram da Semana de Arte Moderna, em 1922. Muito além da Semana de 22, que comemorou seu centenário agora em fevereiro, a exposição Era Uma Vez o Moderno revisita, três décadas da história do modernismo, que nasceu e se estabeleceu entre 1910 e 1944.

“A Semana de Arte Moderna não inicia a história do modernismo, nem muito menos a termina. Ela foi apenas um de muitos eventos relacionados à construção de uma arte moderna em nosso país. Os seus principais protagonistas já estavam pensando, escrevendo, pintando antes dela e continuaram a produzir muito depois dela. Entender a Semana de Arte Moderna como o marco inicial e mais importante deste processo é um estereótipo que deve ser evitado. Também é preciso sublinhar o fato de que esta é uma exposição feita majoritariamente com o acervo da USP e com curadoria da USP. A universidade cumpre o seu papel de entregar ao público um evento com embasamento histórico fundamentado por documentos e fontes das épocas analisadas”, explica Luiz Armando Bagolin.

Coube ao Sesi-SP a restauração de todo o acervo do IEB/USP no que diz respeito às obras de artistas, intelectuais e pensadores modernistas. “O acervo do IEB/USP, o maior do mundo sobre modernismo brasileiro, é constituído de milhares de itens, documentos e obras de arte. A exposição, em função do espaço e dos recursos demandados, apresenta ao público apenas uma fração disto. Ainda assim, é a maior exposição histórica feita sobre o modernismo brasileiro até hoje. A pesquisa que orientou o trabalho curatorial durou quase 1 ano”, diz o professor e pesquisador do IEB/USP.

No Centro Cultural Fiesp, os visitantes poderão conhecer o diário de Anita Malfatti, de 1914, que registra os preparativos da sua primeira exposição individual, realizada em São Paulo, além de assistir a vídeos protagonizados por atores que interpretam alguns artistas modernistas em momentos importantes de suas vidas bem como da história do movimento cultural. “Quisemos trazer para a exposição a dimensão pessoal por detrás das escolhas e atitudes de alguns dos principais protagonistas da história de nosso modernismo: seus dilemas, paixões, brigas, enfim, os bastidores desta história que nem sempre são visíveis. Não basta apenas apresentar as obras e pronto! Elas pertencem a um contexto e só podem ser convenientemente lidas e entendidas dentro deste”, conta.

Sobre o uso da tecnologia e personagens virtuais dos modernistas para tornar a experiência ainda mais real, Luiz Armando acredita que teriam a aprovação dos artistas da época: “Os modernistas não teriam nenhum problema com essas tecnologias atuais. Eles as usariam do mesmo modo que utilizaram os recursos técnicos mais avançados disponíveis na época deles.  Por exemplo, lembro que Mário de Andrade levou um gravador para a sua viagem ao Rio Grande do Norte, em 1929, para gravar o Coco, ritmo e dança tradicional nos arredores de Natal, somente transmitido e ensinado oralmente e localmente. Mario foi o primeiro a registrá-lo numa gravação em disco”.

Com foco na contestação do tradicionalismo da época e na experimentação de técnicas e criações artísticas, o modernismo segue atual e até hoje inspira novos movimentos artísticos. “Acho que existem muitos movimentos que desempenham esse papel contestador hoje em dia. Esta diversidade de posições em vários campos ou linguagens e em diversos lugares do país e fora do país – há muitos artistas brasileiros vivendo no exterior – talvez seja o mais importante legado ou desdobramento das produções deixadas pelos modernistas há 100 anos. Mário dizia que a partir da Semana de Arte Moderna, conquistamos o direito à pesquisa estética permanente, ou seja, à experimentação permanente, ao inconformismo permanente”, diz Luiz.

Entre os quadros que estão na mostra Era Uma Vez o Moderno há O Homem Amarelo, um dos mais conhecidos de Anita Malfatti. A pintura esteva na Exposição de 1917 e na Semana de Arte Moderna de 1922. A obra O Mamoeiro, de Tarsila do Amaral, finalizada em 1925, também está exposta na Avenida Paulista. Ao longo da exposição há também à disposição do público áudios acessíveis por QRCODE com comentários e análises feitas pelo curador, além de outras informações históricas e reproduções em formato digital dos documentos e cartas para contar de maneira cronológica a história do modernismo.

“A exposição Era Uma Vez o Moderno (1910-1940) é sincrônica, ou seja, mostra o modernismo no tempo histórico dele e não no nosso. Nem sequer propomos na mostra avaliar como eles contribuíram direta ou indiretamente com as posições ou produções estéticas, políticas ou ideológicas de hoje. Quem visitar a exposição pode ser levado a especular sobre isso, a ter uma reflexão neste sentido, mas nós não a provocamos propositadamente. A maior parte das exposições que tenho visto pela cidade, comemorando a efeméride dos 100 anos da Semana de Arte Moderna, estão pensadas numa perspectiva diacrônica ou trans-histórica. Pensam mais na recepção do modernismo no nosso presente histórico do que tentam entendê-lo à luz dos problemas e questões de sua própria época. Acho que também é interessante, mas incompleto. Se você não souber de onde e como tal coisa veio até os dias atuais, a sua opinião sobre esta determinada coisa pode ser demasiadamente contaminada e influenciada pelo olhar e pelas urgências do seu próprio contexto social e histórico, completamente diferente do deles ou pelo menos singular: é o que chamamos de anacronismo. Acredito que fato de ser uma exposição sincrônica é o principal diferencial de Era Uma Vez o Moderno (1910-1940) “, finaliza Bagolin.

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