DriveThru.Art reinventa formato de exposições de arte em tempos de pandemia

A exposição, que pode ser visitada de dentro de um carro com toda a segurança, é a primeira do mundo totalmente concebida durante a quarentena

A longa quarentena imposta pela pandemia do coronavírus gerou uma crise mundial sem precedentes que afetou em cheio o setor das artes. Reinventar-se se tornou questão de sobrevivência para artistas, galeristas, curadores, e muitos outros profissionais da área. Condições sine qua non da experiência artística, o convívio social e a relação ao vivo com as obras foram substituídos por experiências virtuais, mostras e visitas digitais a museus, além de tantos outros formatos que fazem uso da internet para difundir diferentes produções e discussões artísticas e culturais.

Dono de uma galeria que leva seu nome, Luis Maluf poderia ter mantido seu foco no digital durante a pandemia. Há cerca de três anos, como parte de uma iniciativa para democratizar a arte, a Luis Maluf Art Gallery já realiza tours virtuais e, por isso, foi fácil viabilizar exposições nesse formato assim que a quarentena teve início. Ainda assim, para preencher o vazio que o coronavírus gera em um setor baseado no presencial, o galerista paulista foi além do virtual. É ele o idealizador da DriveThru.Art: uma exposição de arte na qual as visitas são feitas dentro de carros, por meio de um circuito planejado em estações, com obras instaladas em grandes painéis.

A ideia de conceber um formato de exposição viável para a realidade atual surgiu em um momento de angústia, com intuito de proporcionar algo positivo para a cidade e para as pessoas. “Logo que a quarentena começou, todas as lojas no entorno da galeria começaram a ser saqueadas. Quando vi todas as vitrines vazias, tive uma forte sensação de tristeza e desespero. Senti necessidade de proporcionar algo bom pra cidade. Minha primeira ideia era fazer grandes intervenções nas vitrines das lojas, para que as pessoas que passassem de carro por ali tivessem acesso a instalações de neon, colagens, lambe-lambes. Depois, vendo uma foto de projeções em um espaço fechado, tive o ‘insight’. Eu pensei: ‘acho que eu consigo fazer uma exposição para ser visitada de carro’”, conta Luis.

Na mesma hora, o galerista entrou em contato com os responsáveis pela ARCA, um galpão com mais de oito mil metros quadrados, onde acontece a DriveThru.Art. A partir daí o projeto rapidamente tomou forma e em poucas semanas foi possível viabilizar a ideia. “Foi maluco, tudo foi acontecendo naturalmente. A exposição é a primeira do mundo a ser totalmente concebida durante a pandemia. Não é uma exposição readaptada. O conceito e a estrutura da exposição foram criados durante esse momento que estamos vivendo, e a repercussão que a exposição alcançou no mundo inteiro foi muito boa. Em um momento em que o Brasil tem sido notícia internacional de maneira negativa, por questões políticas, ambientais, ou até mesmo por conta da forma como lidamos com a pandemia, poder de alguma forma, mesmo que pequena, levar algo positivo daqui para o mundo, ser responsável por algo que foi construído aqui e virou referência lá fora, é uma das minhas maiores realizações”, explica ele.

Reunindo obras de 18 artistas com reflexões contemporâneas, que vão desde a importância da representatividade das mulheres negras à urgência à preservação do meio ambiente, passando pela angústia gerada pelo isolamento, a DriveThru.Art tem curadoria do próprio Luis Maluf.  “A palavra diversidade permeou toda a minha pesquisa curatorial. Desde as diferentes linguagens dos painéis da exposição, que têm pinturas, fotografias, lambe-lambes e arte digital, até as discussões e temas propostos pelos artistas. Em comum, eles apresentam pesquisas conectadas ao espírito do nosso tempo”, releva Luis.

E por falar em temas conectados com o nosso tempo, é a questão ambiental o foco da obra “Carne Viva”, de Luiz Escañuela. A peça retrata a área da Floresta Amazônica em textura de pele humana, com ferimentos representando os focos de queimadas e desmatamento da floresta em 2019. A tela, que foi feita um pouco antes da pandemia e estava guardada em seu atelier, se encaixou perfeitamente no contexto da exposição e foi redimensionada por meio de técnicas fotográficas para a DriveThru.Art. “Se eu tivesse recebido carta branca para criar algo para essa exposição e essa tela não existisse, eu com certeza a teria pintado para esse propósito. Esse trabalho foi quase uma previsão do que estava por vir, e poder apresentar uma obra que seria o começo de uma nova fase da minha carreira artística já com os dois pés na porta, em um projeto que está repercutindo no mundo inteiro, é perfeito”, diz o artista.

Para Escañuela, a pandemia acelerou processos importantes de transformação de seu trabalho e fez crescer a vontade de usar a arte como forma de protesto: “Eu sempre fui um artista hiperrealista, que falava sobre passionalidade e relações afetivas. Porém, quando a situação política do país começou a ficar mais densa, algumas coisas começaram a me incomodar demais, e eu comecei a colocar isso nos trabalhos de uma forma tímida. No início da pandemia, com diversos planos frustrados, terminei ficando meio letárgico por um tempo. Minha capacidade criativa foi afetada e eu passei a pesquisar muito mais, escrever muito mais. Foi nesse momento que eu percebi que coisas que eu sempre quis fazer, como experimentar tinta óleo e tratar sobre questões políticas e sociais, começaram a se manifestar com mais força. Porque junto com tudo o que está acontecendo no mundo, não vem só frustração, vem raiva também. Eu tentei usar essa raiva como uma força motriz, como um combustível para me expressar com mais de coerência, e mais potência. Eu acredito que eu até chegaria onde estou hoje, mas acho que isso aconteceria num espaço maior de tempo. Eu ia demorar a amadurecer o que eu tive que amadurecer agora”.

Outra obra exposta na DriveThru.Art que também  tem temática com carga social e ambiental é a da fotógrafa Raquel Brust. A artista, conhecida por suas instalações de fotografias hiperdimensionadas do Projeto Giganto em São Paulo, escolheu em seu arquivo a imagem “Ofelia Munduruku”, feita em meio a protestos contra a construção de uma hidrelétrica no Rio Tapajós, no Pará. Na foto, uma menina indígena aparece simbolicamente submersa nas águas do rio. “Eu busco sempre trabalhar com a questão das relações sociais, das relações humanas. Minha intenção é tentar despertar empatia, além de transformar ambientes e o uso que fazemos da cidade, para que a gente desenvolva uma relação mais afetiva com os espaços urbanos. Na exposição, eu escolhi expor um trabalho que eu venho desenvolvendo há anos. Desde 2008 eu me dedico como voluntária em ONGs que batalham pela preservação da Amazônia e principalmente dos povos indígenas. Acredito que essa imagem inédita, que estava guardada em meu arquivo, está sendo apresentada em um momento muito importante. Porque além da questão ambiental, que está latente, colateralmente há a questão desses povos, que estão sofrendo ainda mais com a pandemia e precisam ser vistos, lembrados e ouvidos”, diz Raquel.

Para a fotógrafa, o início da quarentena foi um baque e ela tem tentado se reinventar por meio de experimentos manuais em suas fotografias. “O meu trabalho com o Projeto Giganto é basicamente na rua, encontrando pessoas, em contato com o urbano, contando histórias, reconhecendo, abraçando, pesquisando, e fazendo uma fotografia ativa com o público. Então, pra mim, isso tudo foi desastroso. Eu tinha três exposições programadas para esse ano e todos os meus projetos foram para geladeira. Sou fotógrafa, mas sempre procurei fazer intervenções manuais nas minhas fotos para deixá-las únicas e irreprodutíveis. Desde 2017 eu já vinha desenvolvendo uma técnica de fotografias bordadas, com costuras. Com todo esse caos causado pela pandemia, eu voltei com tudo a essa pesquisa. É um processo quase meditativo, algo que eu posso fazer dentro de casa, usando meu material de arquivo e eu consigo ressignificar essas imagens”, explica a fotógrafa.

Sobre arte em tempos de pandemia, ambos os artistas concordam que a crise mostrou a muitas pessoas que desvalorizam a cultura a real relevância das produções artísticas e culturais. “A arte é tão inerente ao ser humano que nesse momento de dor, tristeza, isolamento e frustração, as pessoas sentem necessidade de consumir arte, ouvir uma música, apreciar uma tela, ler um livro, ver um filme… Porém, ao mesmo tempo em que é alívio, a arte também tem um importante papel de canal de denúncias, chama atenção para temas importantes, traz uma carga de pensamento crítico, de consciência. É exatamente esse um dos motivos do porque a arte incomoda tanto”, diz Escañuela. “A arte ajuda a manter a sanidade mental. É nossa única janela para o mundo agora e tem o poder de transmitir consciência na sutileza do que está sendo exposto. Às vezes a pessoa acha bonito, se interessa, gosta de uma obra ou de uma fotografia, sem perceber que na verdade ela está absorvendo conteúdo e sendo esclarecida sobre algo. A arte tem esse papel de tornar acessível algo que racionalmente seria indiferente ou até contrário”, completa Raquel. 

Na DriveThru.Art, que está aberta à visitação até o dia 9 de agosto – seguindo todos os protocolos de segurança recomendados pela OMS -,  além dos trabalhos de Raquel Brust e Luiz Escañuela, você encontra obras de Acidum Project, Apolo Torres, Crânio, Criola, Edu Cardoso, Felipe Morozini, Gian Luca Ewbank, Hanna Lucatelli, Juneco Marcos, Nathalie Edenburg, Patrick Rigon, Ruas do Bem, Thasya Barbosa, Vermelho Steam, Vinicius Meio e Vinicius Parisi. Todos eles escolhidos cuidadosamente com o intuito de despertar no espectador “um combo de esperança, inquietação e empatia”, como diz a mensagem de agradecimento da exposição no final do circuito. Um respiro consciente em tempos tão difíceis. 

Serviço:

Dias: De quarta-feira a domingo

Horário: 13:00 às 21:00 (Início da última sessão: 20:00)

Duração da visita: Aproximadamente 50 min

Classificação: Livre

Local: ARCA

Endereço: Avenida Manuel Bandeira, 360

Capacidade da área da exposição: 20 carros

Ingresso com carro particular: R$ 40,00 + Taxas (cada veículo pode ter até 04 pessoas)

Ingresso com carro do evento e motorista: R$ 30,00 + Taxas (para grupos de até 03 pessoas, que residam no mesmo domicílio)





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