Conheça a Plano Sequência, ONG que ajuda profissionais do audiovisual durante a pandemia

Com o setor paralisado, muitas das pessoas que fazem a locomotiva do audiovisual brasileiro funcionar ficaram impossibilitadas de trabalhar e a união da criatividade com a solidariedade tornou-se fundamental para que fosse possível ajudar esses profissionais

A chegada da pandemia de Covid-19 ao Brasil, no início do ano, desencadeou uma crise de contornos dramáticos.  Uma recessão abrupta tem afetado significativamente o mercado da economia criativa, que emprega cerca de quatro milhões de pessoas no país, de acordo com um levantamento do Observatório Itaú Cultural. As mudanças de paradigmas geradas pelo coronavírus transformaram hábitos de consumo, aceleraram a transformação digital, mudaram comportamentos e despertaram uma conscientização e revisão de valores para muitos brasileiros.  É urgente nos reinventarmos!

Solidariedade e empatia viraram palavras de ordem. As pessoas e empresas passaram a olhar para o outro por meio de uma nova perspectiva e usando a criatividade criaram novas soluções e novas maneiras de ajudar quem precisa. Muito afetado pela crise, o mercado audiovisual foi um dos setores da economia criativa que precisou se reinventar e tem funcionado com equipes reduzidas e novos protocolos. Para auxiliar os profissionais mais atingidos pela paralisação das produções, a ONG Plano Sequência criou um movimento de Diretores e Diretores de Fotografia em que cada artista colabora com três fotografias para a venda de impressões em alta qualidade. Com o dinheiro arrecadado, forma-se um fundo que é doado para os trabalhadores mais necessitados do setor durante a pandemia.

Idealizado por Azul Serra, Raphael Varandas, Rafael Martinelli, Luciana Monti e Luísa Dalé, o projeto nasceu exatamente das conversas entre diretores de fotografia sobre como seriam as novas formas de trabalho durante a pandemia e sobre como ajudar as pessoas que trabalhavam em suas equipes. “Para ganhar dinheiro, os técnicos do audiovisual precisam estar in loco trabalhando. Com esses profissionais impossibilitados de exercerem suas funções pela pandemia do Covid-19, algumas pessoas e produtoras do mercado começaram a arrecadar fundos para cestas básicas, mas ainda em ações muito pontuais. Pensando em abarcar uma maior gama de pessoas que poderiam ser auxiliadas por essas colaborações, tivemos a ideia da venda de fotos de diretorxs e diretorxs de fotografia, que, no audiovisual têm sido os menos afetados por terem a possibilidade de trabalhar remotamente. A comercialização dessas imagens impressas seria então revertida inicialmente a fundos específicos já criados para ajuda no audiovisual. Depois surgiu a ideia de fazermos um cadastro individual das pessoas em nosso site, para que elas pudessem receber diretamente de nós o auxílio”, explica a fotógrafa e diretora de fotografia Luísa Dalé.

O que começou como um projeto entre amigos, criado por pessoas de um mesmo círculo de trabalho, cresceu exponencialmente com o aumento da demanda de pessoas interessadas em participar e colaborar de alguma forma, e foi necessário montar um time de curadoria. “Hoje contamos com uma equipe formada por duas mulheres negras, uma mulher branca e três homens brancos para selecionar artistas e também escolher com mais cuidado os trabalhos que expomos. Como o projeto ganhou muita visibilidade, precisamos ter em mente que somos responsáveis pelas imagens que ali divulgamos, em todos os sentidos. Por isso montamos esse time e periodicamente nos reunimos para discutir os próximos passos. Na última galeria, lançada no site no dia 30 de junho, há trabalhos de profissionais conhecidos do grande público, como Walter Salles, Walter Carvalho, Daniela Thomas, Regina Casé e Kleber Mendonça, entre outros. Além de muitos nomes que não são tão conhecidos, mas têm um corpo de trabalho excelente e são grandes promessas do audiovisual brasileiro”, conta a fotógrafa.

No site da Plano Sequência, todas as fotos estão à venda por $250 cada, e o valor arrecadado com as vendas, vai em parte para os custos de impressão, envio e manutenção da ONG, e a outra parte vai para os auxílios em forma de cartões-vale que podem ser usados pelas pessoas auxiliadas em supermercados, farmácias e postos de gasolina. “Ajudamos instituições do audiovisual que criaram fundos de arrecadação para este momento que vivemos, como por exemplo, a FAPAN (Fundação da Associação dos Profissionais do Audiovisual Negrxs). As pessoas auxiliadas são aquelas que se cadastraram em nosso site e preenchem o requisito de trabalharem há mais de um ano com audiovisual. Existe, porém, uma lista de prioridades, que é definida de acordo com algumas questões importantes, como número de pessoas na família e renda mensal em tempos normais”, diz Luísa.

Membro da Associação Brasileira de Cinematografia e do Coletivo das Diretoras de Fotografia do Brasil, o DAFB, Luísa revela que a pandemia apenas agravou a crise que já afetava o audiovisual brasileiro, que teve fundos e editais cortados nos últimos tempos, diminuindo as ofertas de emprego: “O que vinha salvando o mercado eram os serviços de streamings, que nos últimos anos têm investido cada vez mais em produções nacionais. Porém, em um set de filmagem de médio/grande porte nunca há menos de 30 a 50 pessoas trabalhando juntas, e isso se tornou inviável por conta da pandemia. Muita gente precisou realmente se reinventar e buscar outras formas de ganhar dinheiro nesses tempos. As filmagens ainda não foram liberadas, mas já existem protocolos sendo criados pelo sindicato e outras associações para que, aos poucos, possamos retornar às atividades com o máximo de segurança possível”.

Enquanto os sets de filmagem não voltam a funcionar com equipes completas, os profissionais da área estão se desdobrando para se encontrarem maneiras criativas de se reinventarem. “Produções remotas têm acontecido e uma pessoa que antes exercia o cargo de direção de fotografia, por exemplo, agora precisa também ser sua própria assistente, produtora, e às vezes até atriz nessas produções feitas nas nossas casas, com as nossas famílias. Existem muitos artistas também acreditando no compartilhamento de conhecimentos com um público maior, então muitos têm oferecido cursos, feito ‘lives’ informativas, etc. Buscar formas de se manter ativo sobretudo no meio virtual, é, por enquanto, nosso único meio de interação”, revela Luísa.

O tão debatido “novo normal” deve ser estabelecido também para a realidade pós-pandemia do mercado audiovisual e a criatividade passará a ser ainda mais importante. Sobre as expectativas para o futuro do setor, Luísa acredita em mudanças não apenas nas estruturas, mas também nos meios e na forma: “Imagino que as produções serão mais enxutas, equipes menores e muitas mini-produções surgirão. Voltadas cada vez mais para o virtual, explorando possibilidades de comunicação além do ser só passivo assistindo a algo no computador. Acho que teremos busca constante por interações cada vez mais reais, ainda que virtuais”.

Enquanto o futuro não chega, a ONG Plano Sequência segue ajudando os profissionais impossibilitados de trabalhar com êxito, mas os responsáveis esperam conseguir auxiliar mais trabalhadores da área. “As pessoas compram as fotos sabendo que cada foto é o equivalente a uma pessoa sendo auxiliada, e uma bonita corrente do bem está acontecendo. Profissionais que têm condições de ficar mais tempo sem trabalhar estão tendo essa consciência, e doando o seu trabalho em prol dos que fazem a locomotiva do audiovisual funcionar junto com a gente. E esses trabalhos vão para a casa de seus compradores, que terão sempre a lembrança de que estivemos juntxs neste momento difícil. Uma mão puxa a outra, e todos crescemos e nos mantemos sãos”, comemora. Porém, o número de pessoas e instituições a serem ajudadas depende diretamente das vendas das fotos, e a ONG está em busca de patrocínios para poder aumentar o seu alcance “Enquanto não temos ainda nenhum patrocínio de produtoras e empresas grandes da nossa área, precisamos trabalhar intensamente com o time de comunicação para que as vendas não caiam e cada vez mais pessoas possam continuar sendo ajudadas”, finaliza Luísa.


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