Coletivo Coletores leva arte e informação às periferias paulistas por meio de vídeo projeções

Toni Baptiste fala sobre as intervenções urbanas criadas em conjunto com Flávio Camargo e sobre a importância da arte para as periferias, não apenas em tempos de pandemia

Em tempos de isolamento social, em meio à pandemia de Covid-19, as vídeo projeções se espalharam pelos muros e empenas de todo o país. Artistas visuais de todos os cantos do Brasil têm usado a linguagem para expor seus trabalhos e também para informar e conscientizar. Centenas de obras com os mais variados temas em forma de projeções luminosas se tornaram parte das paisagens urbanas, levando arte, protestos e mensagens poéticas, encorajadoras e motivacionais às cidades brasileiras.

Dentre os muitos profissionais que trabalham com a técnica do vídeo projeção em São Paulo, o Coletivo Coletores, formado pelos artistas Toni Baptiste e Flávio Camargo, principais precursores desta linguagem tão disseminada nos últimos meses, se destacou ao priorizar o uso deste tipo de intervenção urbana para conscientizar e levar informação às periferias paulistanas.

Formado em 2008 na periferia da Zona Leste da capital paulista, o Coletivo Coletores começou seu trabalho com o intuito de ressignificar as intervenções urbanas. “Já são 13 anos de atuação. A gente começou com a ideia de repensar a intervenção urbana e a arte contemporânea, que é presente, por exemplo, em museus, bienais, galerias de arte. Queríamos trazer essa estética e criar propostas artísticas fora do padrão que o senso comum está acostumado a acessar. Em 2008 a gente tinha uma leve expansão de espaços culturais que levavam essas linguagens para o público que vive nas periferias, então escolhemos levar propostas um pouco mais ousadas paras as ruas”, relembra Toni.

Em 2011, o Coletivo Coletores participou da FILE, Festival Internacional de Linguagem Eletrônica, que acontece há 20 anos no Brasil. A obra exposta pela dupla na Avenida Paulista teve repercussão nacional e Toni e Flávio entenderam a importância de usar a cultura digital para pensar a cidade, as pessoas e as relações entre a arte, o urbano, a tecnologia e o público, principalmente nas periferias. “Percebemos que poucas dessas manifestações aconteciam de fato nas periferias, mesmo tendo as pessoas da periferia com referência para esse tipo de linguagem. Assim surgiu a ideia de experimentar a técnica de vídeo projeção para fazer intervenções nas periferias, sobretudo pensando a cidade não a partir do centro, mas a partir das periferias”, conta o artista.

Aos poucos, a dupla, que já transitava entre diversas linguagens – como instalação, stencil, web art, fotografia, interfaces de baixas tecnologias, game art e publicações impressas – foi se adaptando ao vídeo mapping, e se tornou referência em vídeo projeção, com projetos realizados em muitas comunidades na cidade de São Paulo, além de trabalhos junto ao Programa Vai e Redes ruas da Prefeitura de São Paulo, ProaC junto ao Governo do Estado de São Paulo, São Mateus em Movimento, Bienal internacional de arquitetura de São Paulo, Bienal Internacional de Arte contemporânea de Dakar- Senegal, FONLAD FESTIVAL – Festival On Line de Artes Digitais Portugal, SESC São Paulo, Festival 20 Dimensão – Natal RN, além de ações educacionais em espaços como: Fundação Bienal de SP, SENAC e instituto Tomie Ohtake.

“A arte urbana é efêmera por sua natureza e a gente usa a projeção que é o efêmero do efêmero, porque ela é muito mais rápida de ser acessada e digerida. Quem está ali no momento da projeção, a vê. Depois que ela acaba, as pessoas podem acessar apenas por meio de fotos e vídeos. Começamos meio que tateando e entendendo essa relação de como estar na cidade, fazer parte da cidade, mas sendo diferente. Porque ter visibilidade em uma cidade como São Paulo é algo muito complicado. A cidade é um colosso, né? Você chama a atenção a partir de uma linguagem artística. Então a gente foi, aos poucos, em níveis graduais, se adaptando para encontrar a nossa própria linguagem. Nesse meio tempo, foram basicamente 13 anos de atuação”, diz Toni.

Questionado sobre a importância da cultura digital para a arte, Toni é categórico: “O digital não é mais o futuro, ele é o nosso presente, já é uma realidade. Da mesma maneira que a gente tem a cultura tradicional, cultura contemporânea, alta cultura, cultura hegemônica, contracultura, cultura alternativa, a gente também tem a cultura digital. É algo que está em movimento. Com a democratização e o maior acesso às tecnologias a gente tem percebido que principalmente os artistas têm usado essas tecnologias como uma ferramenta de expressão social, de expressão artística, expressão poética, tornando possível a realização de trabalhos que há 10 anos eram inviáveis”.

O artista também faz questão de frisar que é errônea a ideia de que o Coletivo Coletores leva cultura às periferias através de seu trabalho: “A gente não está levando arte e cultura para esses lugares. Eles já têm a sua própria produção artística e a gente interage com a cultura de cada espaço. O que acontece é que nas periferias a oferta é reduzida. As pessoas consomem aquilo que está mais próximo. Então, tem muitos jovens que às vezes vão a um baile de funk, não necessariamente porque eles gostam do funk, mas porque eles têm um interesse na questão social, no aspecto social da cultura, porque o funk é uma cultura, é uma forma artística, por exemplo. Então quando a gente pensa nas periferias, a primeira coisa importante é entender esse território. A nossa produção artística, por mais que ela tenha uma linguagem nossa, é sempre uma produção que tenta fazer uma interface com o território onde ela será exposta. Priorizamos conteúdos que têm uma poética de reflexão social. Estamos sempre discutindo a questão ligada ao direito à cidade”.

Toni e Flávio também usaram a arte para conscientizar as pessoas durante a pandemia de Covid-19. “Fizemos trabalhos ligados à prevenção, aos cuidados, ao respeito ao próximo, a um entendimento social que não foi passado a essas pessoas, porque a mídia aberta não informa apropriadamente. As pessoas têm se informado muito pelas redes digitais, onde existe muita mentira, e a educação é defasada, então nem todas as pessoas não têm um senso crítico para avaliar se a notícia é real ou não. Quando a gente leva um trabalho nosso para essas pessoas, tentamos levar esse espírito social, esse espírito reflexivo. Sabemos que aquilo não vai salvar todo o mundo, mas se a gente consegue se conectar com uma, duas, dez, vinte pessoas, a gente sente que está cumprindo o nosso papel”, explica Toni.

“Pode até parecer um pouco clichê, mas para quem vem da periferia, a relação com a arte dentro do contexto de pandemia que estamos vivendo é a mesma que sempre foi fora dele. Porque a arte na periferia, assim como o esporte, é uma atividade essencial para mostrar uma outra possibilidade de realidade para pessoas que vivem numa situação de descaso social. Ela é fundamental para que essas pessoas possam se imaginar dentro de uma realidade diferente. É muito verdade que a arte existe para impedir que a realidade nos destrua. A gente sempre usou a arte como ferramenta para mostrar que existe um futuro possível, uma outra maneira de se imaginar esse futuro ou de se viver o presente. Por isso, precisamos cada vez mais valorizar os processos artísticos, as linguagens artísticas e obras de arte, independente do contexto. Porque é justamente a partir dessas conexões que a gente vai poder criar uma nova realidade, uma nova sociedade. Com a arte, você cria uma série de intervalos, reflexões e provocações e ela pode, sim, ser uma ferramenta de transformação social”, finaliza ele.

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