Bactérias a serviço da arte: restauradores usam microrganismos para limpar estátuas de Michelangelo

Pesquisadores descobriram que diferentes tipos de bactérias podem ser usados com sucesso na limpeza e remoção de manchas em obras de arte, evitando os efeitos colaterais de produtos químicos

Em pleno século XXI, pesquisadores italianos resolveram testar um método inusitado para fazer a limpeza de algumas obras famosas de Michelangelo. A renovação das estátuas de mármore da Capela dos Médici, em Florença, foi feita por uma colônia de bactérias. Para remover séculos de sujeira acumulada, uma equipe de cientistas e historiadores selecionou algumas cepas de bactérias, que foram usadas para limpar boa parte das diferentes manchas que estavam espalhadas pelas obras.

Desenvolvidos em ambientes hostis, os microrganismos usados na faxina são adaptados para comer elementos que causam problemas a humanos. O experimento com as bactérias teve início em 2019, quando o Conselho Nacional de Pesquisa da Itália fez uma análise na Capela dos Médici e, por meio do uso de uma tecnologia infravermelha, encontrou materiais orgânicos remanescentes nas esculturas de Michelangelo em duas tumbas na Nova Sacristia.

A partir da descoberta, a bióloga Anna Rosa Sprocati passou a fazer testes para determinar qual seriam as bactérias mais adequadas para a limpeza do local. Entre mais de 1.000 espécies testadas, incluindo organismos usados para conter derramamentos de petróleo e diminuir a toxidade de metais pesados, foram encontrados organismos capazes de corroer manchas sem danificar o mármore.

Antes de serem aplicados nas peças com um gel, os microrganismos “faxineiros” foram testados em um pedaço da pedra atrás de um altar da capela. Em cada tipo de mancha a equipe aplicou um tipo de bactéria. Dentre as cepas eficazes, foram selecionadas a Pseudomonas stutzeri CONC11, encontrada em curtições de couro em Nápoles, a Rhodococcus sp. ZCONT, presente em solos contaminados com diesel, e a bactéria Xanthomonas campestris.

Além de remover resíduos e cola das estátuas, as bactérias também foram usadas para acabar com as manchas do sarcófago de Lorenzo di Piero, sepultado junto do seu filho assassinado Alessandro Médici, que foi colocado no mausoléu sem ser devidamente esviscerado, o que ao longo dos séculos criou manchas profundas e escuras no mármore da tumba. A bactéria escolhida para essa faxina foi a SH7, encontrada em solo contaminado por metais pesados em um sítio mineral na Sardenha. A opção de limpeza biológica foi a única capaz de remover as manchas do sarcófago de Lorenzo di Piero, que havia sofrido uma grande deterioração desde a última restauração, em 1988.

A experiência só foi possível porque a Capela dos Médici está fechada por conta da pandemia de coronavírus. Os restauradores aproveitaram a ausência do público para testar a eficácia das bactérias para realizar a parte final de uma limpeza nas obras de Michelangelo. Com o sucesso da empreitada, outros pesquisadores passaram a mapear os diferentes tipos de bactérias que costumam se proliferar em pinturas. O objetivo é confirmar se os organismos que vivem nos pigmentos podem ajudar a evitar o desgaste das obras de arte.

Essa não é a primeira vez que bactérias são usadas para limpar arte. Em 2011, um grupo de cientistas de três instituições espanholas realizou testes para o uso desses microrganismos para a limpeza de pinturas da Igreja de São João, em Valência, na Espanha, e nos murais do Campo Santo, de Pisa, na Itália. Além disso, na Catedral de Milão, uma bactéria usada para destruir enxofre já foi utilizada para remover crostas escuras de obras de arte, com mais eficiência do que o tratamento químico equivalente. Outra cepa que consome poluentes também já faxinou afrescos danificados em um cemitério perto da famosa torre de Pisa.

Todas essas experiências comprovam que o tipo adequado de cepa é capaz de limpar obras de arte rapidamente e sem causar qualquer dano à pintura, ao meio ambiente ou às pessoas. Resumindo, apesar de parecer estranho, o uso de bactérias na limpeza de obras de arte pode ser bastante vantajoso, já que os produtos químicos tradicionalmente utilizados na restauração das peças geralmente têm efeitos colaterais não agradáveis.

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