34ª Bienal de São Paulo realça a arte como gesto de resiliência

O curador geral da edição fala sobre o desafio de se realizar um evento deste porte no cenário atual e sobre a importância da arte para as pessoas e para o mundo neste momento delicado de crise sanitária

No próximo dia 4 de setembro a Bienal de São Paulo abre ao público a sua 34ª edição, com o tema “Faz escuro mas eu canto”, verso do poeta Thiago de Mello, publicado em livro homônimo do autor em 1965. De acordo com Jacopo Crivelli Visconti, curador geral da exposição, a escolha pelo enunciado foi feita para evidenciar os elementos e objetos com histórias marcantes em torno dos quais as obras serão distribuídas na mostra, sugerindo leituras poéticas multifacetadas das mesmas.

“Em sua obra, o poeta Thiago de Mello fala sobre a universalidade dos problemas e esperanças de milhões de homens e mulheres em todo o mundo. É dele a frase: “A esperança é universal, as desigualdades sociais são universais também”. Pelo título, a 34ª Bienal reconhece o estado de angústia do mundo contemporâneo enquanto realça a possibilidade de existência da arte como um gesto de resiliência, esperança e comunicação”, explica Jacopo.

Indicado para a curadoria geral do evento pelo presidente da Fundação, José Olympio da Veiga Pereira, o crítico italiano radicado em São Paulo convidou para formar sua equipe curatorial Paulo Miyada, curador do Instituto Tomie Ohtake; a artista Carla Zaccagnini; o curador de Arte Moderna e Contemporânea do Museum Boijmans Van Beuningen, Francesco Stocchi; e Ruth Estévez, curadora geral do Rose Art Museum e diretora da LIGA DF.

“Cada um de nós trouxe e compartilhou trabalhos de artistas e preceitos curatoriais que se tornaram norteadores na construção da 34ª Bienal de São Paulo. No Brasil e no mundo de hoje – polarizados, divididos e cada vez mais fechados ao outro e ao diálogo – essas lições dentro da nossa equipe curatorial se tornam urgentes e necessárias”, afirma.

Questionado sobre a importância da arte em tempos de crise, Jacopo falou sobre a mobilização do setor para contribuir com a sociedade como um todo: “Há poema semelhante ao verso de Thiago de Mello que intitula a edição, de Bertold Brecht, que diz, em tradução livre: ‘Nos tempos sombrios/ Haverá cantoria? / Sim, haverá cantoria. / Sobre os tempos sombrios’. Apesar da semelhança, os dois versos são profundamente distintos. Nós, como Thiago de Mello, acreditamos que, em tempos sombrios, é essencial que se mantenham todos os tipos de cantos. Por outro lado, temos observado iniciativas de grande solidariedade na comunidade da arte contemporânea. Em São Paulo, por exemplo, artistas e instituições têm organizado campanhas de doação e vendas de obras com o objetivo de levantar recursos para ONGs e iniciativas que trabalham com populações em situação de vulnerabilidade. É bonito ver a comunidade se unindo e mobilizando seus meios para contribuir, de outra forma, com a sociedade”.

Depois de 29 anos, a Bienal de São Paulo voltará a ser realizada em anos ímpares, graças ao adiamento da edição por conta da pandemia de COVID-19. “Desde o seu início, em fevereiro de 2020, com a performance A Maze in Grace, de Neo Muyanga, e a inauguração da exposição individual de Ximena Garrido-Lecca, a 34ª Bienal foi concebida como uma exposição em processo, que além de apresentar e problematizar obras, artistas e questões centrais na produção artística e na sociedade contemporânea, também reflete sobre o próprio processo de concepção e organização de um evento desse porte. A pandemia de Covid-19 impôs uma pausa de reflexão e ajustes de rumo que ainda não podem ser mensurados em sua plenitude”, reflete o curador.

A mudança de cronograma impactou diretamente o projeto curatorial da mostra e representou um desafio para a equipe encabeçada por Jacopo: “Coerentemente com a metodologia de uma exposição que se constrói e se adensa em etapas, a necessidade de repensar ritmos e modelos foi incorporada ao processo curatorial, ao mesmo tempo em que reconhecemos abertamente que seria prematuro tentar definir exatamente a exposição que faria sentido propor mais de um ano depois. A ideia não é tentar fazer em 2021 a mesma Bienal que foi pensada para 2020, pois uma das premissas curatoriais para a 34ª edição sempre foi aceitar o fato de que tudo muda o tempo todo e tomar consciência dessas mudanças”.

A presença virtual da 34ª Bienal de São Paulo ganhou ainda mais destaque em relação às últimas edições por conta do momento atual. A programação especial para os canais digitais da Fundação Bienal incluirá lives da série “As vozes dos artistas”, nas quais os curadores da 34ª Bienal se reúnem com convidados para discutir um dos enunciados da mostra; minicursos a distância, ministrados por profissionais da Fundação e vídeos de visitas aos ateliês para o IGTV do Instagram, nos quais os artistas da edição abrirão seus ateliês e falarão sobre suas trajetórias e sobre as obras que estão produzindo para o evento.

A mostra será composta por 91 nomes – sendo dois duos e um coletivo – de 39 países. Entre os artistas desta edição, há representantes de todos os continentes exceto a Antártica. A distribuição entre mulheres e homens é equilibrada, e cerca de 4% dos artistas identificam-se como não-binários. Esta será, ainda, a Bienal com a maior representatividade de artistas indígenas de todas as edições com dados disponíveis, com 9 participantes de povos originários de diferentes partes do mundo.

“O projeto para a 34ª Bienal certamente responde aos tempos em que vivemos, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Não apenas no que se refere à política e representatividade, mas também à vida social, que se tornou mais fechada a qualquer forma de diálogo e a qualquer esforço para compreender ou mesmo admitir a existência do outro. O desafio é fazer uma Bienal que seja capaz de refletir o contexto no qual é concebida, com suas implicações políticas diretas e indiretas, ao mesmo tempo em que é capaz de transcendê-lo”, finaliza Jacopo.

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