150 Fotos para São Paulo reafirma poder transformador e social da arte

Ação arrecadou R$ 295.950,00 com venda de imagens cedidas por 150 fotógrafos para ajudar projetos que trabalham para minimizar os impactos da pandemia para moradores de rua e pessoas em situação de vulnerabilidade.

A arte e a solidariedade têm poder de transformar, de trazer alento e ajudar as pessoas a atravessarem tempos difíceis como o momento que estamos vivendo atualmente. Foi com esse propósito em mente que a produtora executiva Flávia Padrão, e os fotógrafos Bia Garbieri e Rafael Jacinto resolveram adaptar para a realidade brasileira um projeto realizado na Itália, onde Rafael estava trabalhando no início da pandemia de coronavírus. Ex-sócio de Flávia, o fotógrafo participou do projeto 100 Fotógrafos para Bergamo, desenvolvido para ajudar a cidade italiana onde o coronavírus começou a se espalhar no país, e sugeriu usar a ideia para ajudar pessoas também no Brasil.

Apesar de ter ficado em dúvida sobre a viabilidade do projeto no Brasil quando o amigo lhe falou sobre a ideia, Flávia, que trabalha com produção de imagens há 20 anos, resolveu levar adiante a iniciativa. Assim nasceu o 150 Fotos para São Paulo, que reuniu um acervo virtual de 150 imagens doadas por seus autores, que foram vendidas a preços acessíveis através de uma loja online, e tiveram a renda revertida para dois projetos que atuam nas ruas da cidade, trabalhando diariamente para minimizar o impacto da pandemia para moradores de rua e pessoas em situação de vulnerabilidade.

Ex-sócia da Cia de Fotos, um coletivo de fotógrafos com forte papel na produção de fotografia contemporânea brasileira que tinha como objetivo unir fotógrafos em busca de um olhar comum, Flávia resolveu usar seus contatos no universo da fotografia e a estrutura de sua atual empresa, a produtora Fluture Projetos de Imagem, para cuidar do planejamento da ação. “Comecei procurando pessoas para me assessorar com a parte jurídica, de logística e financeira. Foi muito legal porque todos com quem falei para trabalharem no projeto e para quem pedi assessoria na parte burocrática se dispuseram a ajudar pelo propósito”, conta ela.

O que começou como uma iniciativa de três amigos ganhou formas maiores conforme os fotógrafos começaram a topar participar do projeto e mais pessoas se envolveram com a ação. “A princípio a ideia era nós três chamarmos fotógrafos próximos, com quem a gente tivesse contato fácil, que sabíamos que topariam por confiarem no nosso trabalho, por saberem quem éramos nós no mercado. Mas nesse caminho nós terminamos precisando da ajuda de outros produtores para agilizar o processo, e pessoas muito bacanas como o Victor Moriyama, a Mônica Maia e a Layla Motta ficaram sabendo do projeto e se dispuseram a trabalhar conosco. No final formamos um grupo de 9 pessoas animadas para fazer o 150 Fotos para São Paulo acontecer”, relembra a produtora.

Mesmo sem saber exatamente quanto conseguiriam arrecadar, Flavia e os outros organizadores do projeto colocaram a mão na massa para fazer dele uma realidade: “Tudo que a gente sabia é que queríamos ajudar como pudéssemos. Não dava para usar como parâmetro um projeto europeu ou americano, porque eles são muito distantes da nossa realidade em relação ao consumo e aceitação de arte aqui no Brasil, até por uma questão cultural. Então a gente focou em fazer o nosso melhor para arrecadar e ajudar o máximo que conseguíssemos”.

A curadoria dos fotógrafos que participaram do 150 Fotos para São Paulo foi feita com foco na diversidade. “Quando começamos a pensar em quem convidar, nossa única intensão era misturar, era ter fotógrafos e trabalhos diversos, juntar fotos de arte, de moda, de jornalismo, de eventos… Queríamos unir nomes fortes, com nomes novos, muitas mulheres, muitos pretos, gente de todas as idades, pessoas com projetos autorais e pesquisas lindas. Essa era a premissa. A ideia era que não houvesse uma unidade, era reunir artistas em torno do propósito de ajudar, e aproveitar e trazer de volta para essas pessoas a questão do olhar coletivo na fotografia. Colocamos trabalhos de diferentes fotógrafos todos em um mesmo patamar, com uma mesma importância, com o mesmo valor. Nenhuma imagem tinha um destaque maior que o outra”, garante ela.

Com o projeto desenhado, o primeiro passo foi criar o e-commerce e dar início às vendas. Toda a comunicação foi feita via Instagram e o sucesso da iniciativa terminou servindo de inspiração para muitas outras ações nos mesmos moldes em todo o país. “Foi muito legal! A gente abriu nosso trabalho para que as pessoas de outras cidades pudessem fazer esses projetos semelhantes. Foram 15 dias de arrecadação, 1973 imagens vendidas e o valor bruto arrecadado foi R$ 295.950,00. Do total, 28% do dinheiro foi usado nos custos de impressão, manuseio e embalagem, e os outros 72% foram divididos entre a Paróquia São Miguel Arcanjo, coordenada pelo Padre Júlio Lancellotti, e o projeto Treino na Laje, fundado por Sophia Bisilliat”, explica Flávia.

Para a Paróquia São Miguel Arcanjo, por escolha do Padre Júlio Lancellotti, o 150 Fotos para São Paulo doou 2536 roupas de moletom e 2000 máscaras que foram distribuídas à população em situação de rua, especialmente na região centro-leste de São Paulo. O projeto Treino na Laje, que ensina yoga a mulheres e jovens da periferia de São Paulo, trabalhando a autoestima da população, e durante a pandemia passou a fazer distribuição de cestas básicas e kits de higiene pessoal em 11 comunidades e favelas de São Paulo, recebeu do projeto 1800 cestas básicas destinadas às famílias afetadas pela pandemia de Covid-19.

Para fazer as entregas das fotos vendidas foi realizado um processo super cuidadoso, seguindo absolutamente todos os protocolos de segurança desde a impressão até a embalagem, que foi finalizado no início de novembro. “A gente queria que as pessoas recebessem também o nosso carinho e atenção em casa. Quem comprou uma imagem do 150 Fotos para São Paulo tem em casa uma obra que além de ser arte é o símbolo de uma ajuda a alguém que precisa”, se orgulha a produtora.

Além da venda das fotos e do auxílio financeiro aos projetos escolhidos, a ação também deu visibilidade aos fotógrafos que participaram dela. Foram realizadas diversas lives com os artistas interagindo entre eles nas redes sociais, com debates em torno da fotografia. “Tinha de tudo, desde conversas sobre a função social da imagem, até conversas sobre fotos de casamentos. A ideia era exatamente essa: tirar a arte daquele patamar de inacessível. O propósito era democratizar a o conceito da fotografia como arte. O mais legal de tudo foi conseguir fazer isso em um formato de mobilização social. A ideia não é nova, já houveram milhares de projetos parecidos no mundo todo, mas é um momento em que está todo mundo muito mais sensível e empático ao outro. Uma parte muito importante do feedback dos fotógrafos foi exatamente o agradecimento pela oportunidade de ajudar o próximo fazendo o que se ama. Alguns dos artistas até aproveitaram a visibilidade e a inspiração que tiveram por meio do projeto para retomar trabalhos mais autorais, revisitar acervos e se reinventar durante a pandemia”, conta Flávia.

Pessoalmente, a produtora executiva revela que ter trabalhado nesse projeto foi fundamental para reafirmar alguns dos seus valores: “Eu tenho a sorte de sempre ter tido do meu lado pessoas que, como eu, gostam de agregar e criar coisas novas com propósito. Para mim esse projeto foi uma confirmação de que isso faz sentido, de que, como eu sempre pensei, a arte conta histórias, transforma e nos leva adiante. O 150 Fotos para São Paulo me aproximou muito de alguns dos profissionais e me fez ter a certeza de que eu posso me juntar às pessoas para fazer algo que eu gosto e ainda ajudar quem precisa com isso. Acho que é um caminho que foi aberto no Brasil, o da arte ser usada para além do alimento da alma, mas também desempenhar um importante papel social. Para mim foi a confirmação do poder mobilizador da arte”.

Com todas as entregas concluídas e a sensação de ter conseguido ajudar o próximo por meio da arte aquecendo o seu coração, Flávia diz que pretende seguir fazendo ações como essa sempre que for possível. “Existe um desejo de uma continuação para o 150 Fotos que está sendo desenhado para que possamos seguir com essa história de maneira mais pontual, porém duradoura. Queremos permanecer usando o canal que criamos e a arte para ajudar projetos sociais. Porque o tanto que conseguimos ajudar foi maravilhoso, mas é só uma gota no oceano. A arte tem esse poder transformador, de ajudar tanto diretamente algumas pessoas como uma coisa aprazível, como alimento da alma, quanto indiretamente algumas pessoas que nem imaginavam que uma foto poderia virar um prato de comida e alimentar de fato famílias inteiras por um mês, ou virar roupas para pessoas em situação de rua que praticamente moram em um moletom. Esse poder da arte de ajudar direta e indiretamente é muito bonito. Foi muito gratificante”, finaliza.




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