Sem planejar, Graziella Pinto transformou uma ação única em uma rede de artistas em prol de um propósito maior
Quando decidiu vender uma de suas obras para ajudar o projeto Gerando Falcões e desafiar alguns amigos próximos a fazerem o mesmo, a artista plástica Graziella Pinto não tinha ideia da proporção que sua atitude tomaria. Depois de assistir a uma live com Edu Lyra, fundador da ONG que atua em periferias e favelas, e de ter feito uma doação única, ela ficou insatisfeita com a quantia que havia conseguido doar e resolveu usar sua arte para angariar mais fundos para a #Cestou, iniciativa em que as pessoas doam cestas básicas digitais, por meio de um cartão com uma carga de R$ 100, que pode ser usado por famílias para comprar alimentos. Assim nasceu o #ArtChallengeCestou, ação em formato de desafio que reuniu até agora mais de 300 artistas plásticos em ações para arrecadar dinheiro, cuja quantia varia de 50% a 100% do valor das obras vendidas, para a ONG Gerando Falcões.
“Eu tive a ideia de fazer um vídeo vendendo uma obra minha e, para não manter a iniciativa apenas dentro do meu universo, convidei outros artistas a fazerem o mesmo, para que eles participassem desse movimento. Eu desafiei cinco amigos meus muito próximos, a Sandra Pinto, a Leka Mendes, a Marcia de Moraes, a Carla Chaim e o Albano Afonso, e eles se engajaram muito com a causa, por ela ser uma forma de conseguir mais cestas básicas doando o nosso trabalho por meio da plataforma do Edu. Então cada um deles desafiou mais cinco artistas e a coisa tomou uma proporção muito grande”, relembra Graziella Pinto.
Logo nas primeiras semanas o movimento arrecadou cerca de R$ 100 mil e a artista plástica percebeu que era necessário centralizar os posts dos desafios em um perfil no Instagram e criar um estatuto para que a ação não saísse de controle. “O movimento cresceu sozinho, foi uma coisa orgânica, uma atitude genuína que veio dos artistas e dos compradores de forma muito natural. Aí foi preciso criar o perfil do #ArtChallengeCestou no Instagram, para responder às inúmeras dúvidas que estavam chegando a mim e organizar o projeto. Então eu fiz uma espécie tutorial para os artistas, explicando o que eles deveriam falar nos vídeos, para que eles soubessem contar o porquê escolheram aquele projeto, para darem satisfação sobre o quanto eles doariam e falarem um pouco sobre o Gerando Falcões, além de desafiarem outros artistas”, conta a artista plástica.
Com tudo organizado, o projeto continuou a crescer e cada vez mais artistas se engajaram com a causa. Os vídeos dos desafios são postados na página do #ArtChallengeCestou e dos artistas que participam, gerando maior visibilidade para ambos, o que ajudou na criação de uma rede. “O desafio é cada artista doar uma obra do acervo dele e disponibilizar 50% ou mais do valor arrecadado para o projeto, o que terminou também ajudando os artistas a terem um pouco de renda nesse momento difícil. Desde o primeiro desafio até agora já conseguimos levantar R$ 350 mil por meio da arte para a Gerando Falcões. O que é fantástico se pensarmos que é um projeto feito por indivíduos, cada um ajudando como pode, e não uma empresa. É um trabalho de formiguinha que gerou um movimento em rede de pessoas em prol de um propósito”, se orgulha ela.
Graziella acredita que a maneira como tudo aconteceu e a forma orgânica como os artistas se envolveram no #ArtChallengeCestou é o segredo do sucesso da ação: “Eu acho que se eu tivesse planejado fazer esse movimento com essa forma que ele tomou, talvez ele não tivesse acontecido, porque foi tudo muito natural. A ideia saiu das minhas mãos, mas eu só plantei a semente e ela voou sozinha, eu só fui direcionando o que estava acontecendo. Eu não tinha pensado na ação como um projeto, eu tinha pensado apenas em ajudar a chamar outras pessoas para ajudarem também. Além disso, o fato de os compradores verem os artistas nos vídeos ajuda a aproximar. Eu participo de outros leilões beneficentes em prol de outras instituições, e acho que quando você mostra só a obra, é muito diferente de quando você vê o artista na casa dele, com o trabalho de fundo, contando que ele está ali em prol de uma causa. Tem um peso completamente diferente. Você aproxima o artista das pessoas, cria um vínculo”.
Apesar da quantidade de doações ter diminuído após a flexibilização da quarentena, o #ArtChallengeCestou continua arrecadando dinheiro para o Gerando Falcões e novos artistas seguem aderindo ao desafio. Além de seguir angariando recursos para a ONG, a página da ação também divulga os resultados alcançados com o dinheiro arrecadado. “O Gerando Falcões é um projeto que eu confio, então eu já comecei sabendo muito bem onde eu estava colocando a minha palavra e o dinheiro das outras pessoas. Escolhi ajudá-los não apenas pela confiança no trabalho do Edu, mas também por saber que as áreas em que o projeto atua são na periferia da periferia, com pessoas que são muitas vezes esquecidas. Acredito que eles conseguem chegar realmente nos lugares onde as pessoas são invisíveis e isso é muito importante”, explica Graziella.
Além do poder de ajudar financeiramente quem precisa, por meio de vendas de obras, a artista plástica acredita no poder de transformação da arte em meio às crises. Tanto que, durante a quarentena, Graziella criou uma obra para a 3ª edição do projeto CIRCULAR – Arte na Praça Adolpho Bloch, intitulada Sentar-Ler-Escrever, cujo o objetivo é proporcionar uma experiência em que o público possa se reconstruir após o confinamento, um jardim onde as pessoas possam se reiniciar em paz.
“Minha instalação se chama Cacho de Palavras. São esferas gigantes com palavras inspiradoras escritas, penduradas em uma árvore. O intuito é conscientizar e transformar. O meu processo criativo é muito embasado em mudar o olhar das pessoas, abrir novas possibilidades, criar novos caminhos. Então através das cores e dos elementos que eu uso nas minhas telas e instalações eu procuro levar as pessoas para uma outra dimensão, abrir portas de transformação e autoconhecimento. A arte pode ter vários braços e um deles é exatamente esse de reinventar o espaço público, de trazer um cuidado para a cidade, de revitalização urbana. Essa arte pública pode ser agente de transformação para as pessoas que não frequentam os ambientes de arte, e eu acho que principalmente em tempos de pandemia isso é muito importante. A arte é um canal de conexão, ela quebra paradigmas, renova conceitos, abre janelas. A palavra arte fica até pequena para definir essa conexão”, filosofa.
Para os artistas que têm dúvidas sobre como encontrar propósitos maiores para seus trabalhos em meio à crise, Graziella espera servir como inspiração. “Existem diferentes níveis de consciência e a gente tem que estar sempre olhando pra pessoas e projetos que admiramos para seguir exemplos. Eu espero que um dia nós do #ArtChallengeCestou também sejamos fontes de inspiração para alguém se transformar, porque cada pessoa está no seu momento de vida. Eu gosto muito de parcerias, a gente tem que se juntar para apoiar o coletivo. Somos muito mais fortes pra fazer o bem se temos parcerias. E também é importante o fazer, o sair do mental e do planejamento e simplesmente fazer. Comece e a coisa acontece”, aconselha